O texto original da Constituição da República menciona 11 vezes os termos "socialista" ou "socialismo". Não admira há 30 anos, por efeito do processo revolucionário desencadeado pela Revolução dos Cravos, todos os partidos defendiam uma ou outra versão de "socialismo". E nem os partidos situados mais à direita, como o PPD ou o CDS, fugiam à regra..A nota era dada logo no primeiro artigo da lei fundamental "Portugal é uma república soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes." Um artigo aprovado com 132 votos a favor (CDS incluído) e 80 votos contra (todos do PPD).."O grupo parlamentar do CDS deseja declarar que votou o artigo 1.º porque a referência ao objectivo da sociedade sem classes consta da declaração de princípios do CDS", declarou o então líder dos democratas-cristãos, Diogo Freitas do Amaral, actual ministro dos Negócios Estrangeiros..Já o artigo 2.º, que alude à "transição para o socialismo", mereceu a aprovação do PPD (o CDS absteve-se). "O PPD perfilha o ideário do socialismo humanista", justificou o social-democrata Furtado Fernandes. O CDS propôs - e foi derrotado - uma emenda em que mencionava a República Portuguesa como um Estado baseado numa "política democrática e orientada pelo respeito da dignidade do homem na via original para o socialismo português".."O texto constitucional saiu francamente mau e profundamente influenciado pelo marxismo", sublinhou Freitas do Amaral no seu livro O Antigo Regime e a Revolução. A verdade é que o CDS foi o único partido a votar contra a Constituição, a 2 de Abril de 1976. "O nosso voto exprime o inconformismo e a frustração pela oportunidade que, na lei fundamental, se perdeu de mais democracia e de mais autêntico pluralismo", argumentou o porta-voz do partido na Constituinte, Vítor Sá Machado..Polémicas à parte, a Constituição de 1976 foi muito importante por ter consagrado alguns princípios basilares da organização política do País - incluindo a autonomia regional dos Açores e da Madeira, e as autarquias locais eleitas por voto directo e secreto. Exceptuando os artigos referentes ao Conselho da Revolução - que até à revisão constitucional de 1982 se manteve como insólita tutela militar do regime -, a arquitectura política delineada na lei fundamental chegou incólume aos nossos dias. O mesmo ocorreu com a parte referente aos direitos, liberdades e garantias de carácter geral. .É nos direitos sociais e económicos que o texto de 1976 está hoje quase irreconhecível. "A organização económico-social da República Portuguesa assenta no de-senvolvimento das relações de produção socialistas", referia o artigo 80.º, enquanto o artigo 83.º garantia que "todas as nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras". Este articulado só desapareceu na revisão constitucional de 1989..Marco relevante da Constituição foi a consagração dos princípios da liberdade de expressão e de informação, da liberdade de imprensa e da liberdade sindical, em que o PS impôs a sua visão - próxima das democracias ocidentais - apesar das críticas do PCP. Nestes debates destacaram-se socialistas como Mário Mesquita e Marcelo Curto, e sociais-democratas como Marcelo Rebelo de Sousa e Mário Pinto. Vital Moreira era o habitual ponta-de-lança dos comunistas.